Na Argentina
Na Argentina
A política de reconhecimento dos povos guarani na Argentina baseia-se na Reforma Constitucional, do ano 1994, que admite e reconhece que os povos indígenas são pré-existentes étnica e culturalmente à Nação Argentina (Artigo 75, Inc.17), substituindo, assim, a anterior referência constitucional que promovia “o trato pacífico com os índios e sua conversão ao catolicismo”.
Outro passo fundamental foi a aprovação do Convênio 169 sobre Povos Indígenas, da Organização Internacional do Trabalho, vigente na Argentina desde o ano 2001. No entanto, observamos que as políticas de reconhecimento não têm dado lugar, ainda, a políticas de garantia efetiva de direitos.
No ano de 2006 foi promulgada a Lei Nacional 26.160 de “Emergência Territorial Indígena”, que regulariza o levantamento dos territórios de uso das Comunidades e suspende os despejos. No entanto, até a presente data, na província de Missiones, do total de 120 comunidades, só foi finalizado o levantamento em 45 delas (37,5%).
A atual população guarani, que habita nas províncias de Salta e Jujuy, soma uns 45.000 habitantes, descendentes de migrantes da região pré-andina da Bolívia oriental vizinha. As migrações foram originadas pelos conflitos bélicos com o Estado boliviano e pela ocupação de suas terras entregues aos fazendeiros que se estabeleceram em seu território na segunda metade do século 19. Esta guerra de resistência culminou com a derrota dos Guarani na batalha de Kuruyuky, em 1892.
Quarenta anos mais tarde, os Guarani, que haviam conseguido fugir para os campos próximos ao Pilcomayo, foram surpreendidos pela revolta entre paraguaios e bolivianos na Guerra do Chaco, que, na realidade, era uma Guerra pelo petróleo provocada por empresas estrangeiras (1931-1935). Muitos deles tiveram que buscar refúgio nas terras do norte argentino, principalmente nas províncias de Salta e Jujuy e empregar-se na safra nos engenhos açucareiros e também nas fazendas de plantação de bananas e cítricos e nas serrarias.
Assentaram-se em torno das fontes de trabalho, constituindo bairros e comunidades, como na periferia das cidades de Tartagal, Embarcación e Orán, com características similares às das suas comunidades de origem, organizadas a partir da família extensa.
Atualmente, encontram-se organizadas em torno da “Asamblea del Pueblo Guaraní Argentina” (APG Argentina), criada por influência da APG boliviana e, recentemente, reconhecida pelo Estado argentino. A APG tem sua estrutura própria, sendo sua primeira autoridade uma mulher – kuñakampinta -; no caso de ser homem é Mburubicha ou Capitão. Tradicionalmente são eleitos por unanimidade.
As formas de posse da terra dos Guarani na região são variadas. A maioria possui somente as terras que ocupa, mas carecem de territórios aptos e suficientes que permitam sua reprodução social e cultural. No entanto, há algumas situações mais favoráveis, como o caso da comunidade de São José de Yacuy, onde contam com um território mais amplo (4.000 hectares) que lhes permite praticar seus cultivos tradicionais de subsistência e destinar outra parte dos produtos ao comércio. Apesar da grande diversidade nas formas de posse da terra, são registradas altas taxas de desmatamento, pelos processos de expansão da fronteira agropecuária e pelos conflitos com empresas petrolíferas.
Com relação à educação escolar, o Estado argentino reconhece o direito a uma Educação Intercultural Bilíngue (EIB) para os povos indígenas, estabelecendo, no ano 2006, a educação bilíngue como modalidade do sistema educativo. Em Salta existe, desde os anos 1980, o cargo de Auxiliar Bilíngue e, em Jujuy, recentemente foi incorporada a figura de pessoa “idônea” para o ensino em língua guarani. Somente funciona para o nível primário e está concentrado na zona rural.
Na Província de Missiones, Argentina, a população guarani supera os 10.000 habitantes, distribuídos em 120 Tekoá ou Comunidades, sendo a grande maioria composta por Mbyá-Guarani e com relações próximas com os Mbyá do Paraguai e do Brasil. Do total da população guarani em Missiones, 78,8% tem menos de 30 anos de idade.
Das 120 comunidades, somente 14 superam os 150 habitantes (e somente uma tem mais de 1.000 pessoas). Do conjunto de comunidades identificadas, 75 destas têm reconhecidas as terras em nome de pessoa jurídica, que é condição fundamental para ter acesso à titularidade dos territórios – das que ainda carecem – e a outros benefícios outorgados pelo Estado.
Uma parte considerável da população não-indígena discrimina, explora e desconhece os direitos dos Guarani. Na Constituição Provincial de Missiones ainda não foram incorporados os Direitos Indígenas, como consta na Constituição Nacional e na maioria das outras Constituições provinciais na Argentina.
A resistência tem como ponto de partida as organizações próprias da sociedade guarani. A de maior relevância e que tem tido continuidade é a Aty Ñeichyrõ – Assembleia Tradicional dos Mburuvichá (Caciques) -, mediante a qual buscam afirmar-se diante do Estado Provincial e Nacional, como também frente às pessoas vizinhas e às empresas. Estes espaços caracterizam-se pela força da própria espiritualidade, na qual se concede um lugar de destaque à palavra sábia dos anciãos e anciãs.
Para além das fronteiras políticas nacionais, recorrem ao Concelho Continental da Nação Guarani (CCNAGUA), com uma ativa participação de seus representantes.
A luta pelo reconhecimento dos Direitos Indígenas e de Consulta que mantêm ordinariamente, é constante e incansável, tornando-os, assim, visíveis frente a uma sociedade que pretende ignorá-los. As reivindicações pela recuperação de territórios se faz sentir de forma permanente, devido à grave situação ambiental e social a que têm sido relegados, convertendo-os, em alguns casos, em comunidades periféricas das cidades, em que alguns jovens e crianças se veem obrigados a apelar à mendicância.
O não cumprimento oficial em relação a seus direitos territoriais e sociais provoca diversos problemas difíceis de resolver. Sua postura decidida em defesa do ambiente deve-se à convicção de que a falta de floresta traz consigo carências alimentares, dificulta as práticas religiosas, impossibilita a sustentabilidade e provoca enfraquecimento cultural; o abandono da medicina tradicional traz graves consequências para sua saúde.
A ruptura do equilíbrio ecológico em que viviam produz-lhes uma maior dependência do sistema de saúde estatal e mudança nos hábitos alimentares. Somam-se a isto, as políticas estatais de caráter assistencialista que não fortalecem a autodeterminação destas populações.
Cada vez mais, crianças e jovens indígenas ingressam no sistema educativo oficial, buscando encontrar soluções para as dificuldades que sofrem. Mas, até agora, a escola mais colabora com a fragilização do sistema em vez de favorecê-lo, ao não dar-lhes espaços de participação na elaboração dos Planos de Ensino que efetivamente contemplem metodologias e conteúdos de acordo com a visão guarani-mbyá, que é a sua.
Os adultos e suas organizações próprias veem com preocupação a nova situação dos estudantes, que são animados a seguir sua formação, mas, por outro lado, os distancia de seu centro vital e de sua vida comunitária.
Quanto às manifestações religiosas, apesar das repetidas tentativas de diferentes igrejas para que se somem a elas, o Povo Mbyá resiste ao avanço de outras formas de fé que não lhes são próprias, mantendo, assim, suas práticas espirituais e religiosas tradicionais – a base e fundamento de sua vida cotidiana.