Na Bolívia
OS Guarani da Bolívia foram, geralmente, conhecidos como Chiriguanos, mas hoje preferem a autodenominação de Ava Guarani e Isoseño. No entanto, não pode ser ignorado que existem outros povos Guarani diferentes em muitos aspectos; são os Gwarayú (Guarayos), Sirionó (Mbia e Yuki), Tapieté e Guarasug’we.
Perante tal diversidade, foi notável o esforço por “normalizar a língua guarani”, o que permitiu o desenvolvimento de materiais para o ensino da língua nos processos de Educação Intercultural Bilíngue na década de 1990, consolidada no ano de 2011, com o documento chamado Ñeesimbika yambaekuatia vaerã (“Para escrever a língua Guarani”).
Vindo do leste sul-americano, antes da invasão europeia, os Guarani ocuparam as melhores terras desde o sopé dos Andes até as planícies; terras especialmente adequadas para o cultivo de milho, mandioca, vários tipos de feijão, abóbora, batata-doce e amendoim.
Os povos Ava Guarani e Isoseño incluem, atualmente, mais de 220 comunidades em 25 áreas, ou Tentaguasu, com um total de 65.000 habitantes. Um dos valores fundamentais do teko, ou modo de ser guarani, é ser autônomo, viver livre, ijamba’e; ou seja, sem dono. O tenta seria o tekohá dos Guarani orientais, que também significa pátria. Para entender a cosmovisão Guarani é necessário considerar três elementos: o ñande reko (nosso modo de ser), o arakuaa (a sabedoria) e o ñe’ẽ (a palavra). De acordo com uma expressão que é típica entre os Guarani atuais, sua terra é um território, é um tekohá ou um tenta.
A história do povo Guarani na Bolívia está fortemente ligada à terra e ao território e responde a uma dinâmica de processos de ocupação, avassalamento e expropriação, que teve sua maior crise após a histórica batalha de Kuruyuki. A derrota militar dos Guarani foi no ano de 1892, pelo Exército boliviano, seguido do lento avanço da pecuária extensiva, fato que obrigou os Guarani a abandonar seus espaços territoriais e se refugiar em lugares afastados, em terras marginais e bastante inóspitas.
Durante a Guerra do Chaco, entre Bolívia e Paraguai (1931-1935), foram novamente atingidos por ambos os exércitos e algumas comunidades se refugiaram na vizinha Argentina e outras no Paraguai, onde ficaram conhecidos como Guarayos e agora são chamados de Guarani Ocidentais. A Reforma Agrária de 1953, um acontecimento jurídico e político transcendental na Bolívia, serviu para legalizar o espólio e a usurpação das terras e do território tradicional do povo Guarani.
Apesar desta situação, os povos Guarani, como outros povos indígenas na Bolívia, nunca renunciaram ao direito de posse sobre o seu território, bem como à sua autonomia. Quase um século depois da batalha de Kuruyuki, foi estabelecida, em 1987, a Assembleia do Povo Guarani (APG), uma organização nacional que possibilita expressar suas vozes, reivindicar seus direitos socioculturais e territoriais e trabalhar pela sua autodeterminação, propondo-se, entre outras demandas, à reconstituição da Nação Guarani.
O estatus jurídico das comunidades e capitanias Guarani é a “organização comunitária” e, sob essa figura legal, o Estado outorga a pessoa jurídica e a titulação de terras como Terras Comunitárias de Origem. Muitas das capitanias obtiveram suas terras mediante a compra, através de gestões por parte da Igreja Católica e da cooperação internacional e, em outros casos, através de processos de expropriação amparados nas leis e procedimentos realizados por meio do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA).
A cultura organizacional guarani na Bolívia se localiza na comunidade, a partir da família, como um grupo de parentesco extenso. O Ñemboaty é o espaço formal das deliberações e decisões. Esta instituição foi recuperada e consolidada com a fundação da APG, em 1987. Esse Ñemboati é a instituição que permite às comunidades (tenta) deliberar, através de consenso, em, basicamente, três aspectos: organizacional, administrativo e político. Os Guarani Isoseños têm, no grande fumar, de caráter eminentemente religioso, uma instituição similar, mas também conhecem outros mecanismos de tomada de decisão. É a instância na qual é escolhido o Mburuvicha e os responsáveis por cada uma das secretarias da estrutura organizativa, em qualquer nível, desde o comunal até o nacional.
Uma vez reconhecida a democracia comunitária pela Constituição de 2009, o povo guarani consolidou este espaço. A Lei do INRA reconhece o direito dos povos indígenas e originários a obter a titulação das Terras Comunitárias de Origem (TCO) e de Territórios Indígenas Originários Camponeses (TIOC). Também, através desta lei, procedeu-se a titulação de mais de 60% das terras comunais guarani.
Em vários casos, a titulação das TCO foi um marco importante para as comunidades Guarani assumirem a responsabilidade de começar um processo de desenvolvimento autônomo. Um dos obstáculos encontrados com frequência é o potencial limitado das terras para desenvolver atividades produtivas.
No âmbito da educação escolar, os avanços para o povo guarani têm sido significativos, inicialmente, com o fortalecimento da Escola Normal de Formação de Professores Pluri-étnica de Oriente e Chaco (ENFP-POC), elevada ao statust de universidade. Através dela os professores se formam com o nível de licenciatura, o que garante a igualdade de condições dos Guarani dentro da sociedade nacional, com um esquema de revalorização dos seus saberes ancestrais e próprios de sua cultura.
Atualmente, cada comunidade conta com uma escola, com professores bilíngues em Guarani e Castelhano. Em várias comunidades existem núcleos educativos e cada núcleo conta com uma Unidade Educativa de nível secundário.
Há uma Universidade Nacional Indígena Boliviana Guarani Apiaguayqui Tumpa (UNIBOL Guarani), que oferece formação profissional em diferentes disciplinas, adequadas ao habitat, às necessidades e à realidade local dos povos indígenas aos quais se orienta. Ela oferece um serviço de formação integral (técnico, cultural e ecológico) para jovens indígenas bolsistas indicados pelas comunidades e capitanias. Também está incluída a medicina tradicional, bem como a soma de conhecimentos utilizados para o diagnóstico, prevenção e tratamento de distúrbios físicos, mentais ou sociais, com base na experiência e na observação, transmitidas de uma geração à outra.
O povo Guarasug’we tem uma população de 400 habitantes, assentados na comunidade Porvenir, localizada nos limites entre os departamentos de Santa Cruz e Beni, na Amazônia boliviana. Eles viviam da caça, da pesca, da coleta e do cultivo de mandioca e milho, mas, atualmente, estão em um processo de reorientação sob pressão da população regional.
Os indígenas Gwarayú ou Guarayos contam com uma população de 15.000 habitantes e com uma cultura fortemente agrícola de características guarani. Existe, na atualidade, uma forte organização com status jurídico reconhecido, chamada COPNAG (Central de Organização dos Povos Nativos Guarayos). Os Guarayos têm uma longa história de vinculação com o Estado, desde o surgimento da Missão Franciscana até o período posterior à Reforma Agrária, que impulsionou sua submissão aos “brancos” ou caraí, através do estabelecimento de fazendas. Nas últimas décadas do século 20, as antigas missões tornaram-se as atuais comunidades, quando foi alcançada a consolidação territorial nos TCO. Adotaram o conselho indígena, de acordo com a herança do sistema das Missões ou redutos antigos, como sua organização originária.
Durante a georeferência e identificação recente de comunidades Sirionó (Mbia) foi identificada uma população de 1.340 habitantes, que têm um território demarcado de 52.206 hectares, a TCO Sirionó SANTCO. A organização social dos Sirionó tem como referência principal a família nuclear, totalmente funcional às atividades produtivas e operativas para os deslocamentos de caça, ainda que permaneça em pleno vigor a família extensa. As principais atividades produtivas são a caça, a pesca e a coleta, sendo a caça a que fornece mais prestígio.
Os Yuqui, parentes próximos dos Sirionó, são 1.040 habitantes na sua Terra-Território do TCO Mbya Recuaté Yuqui Chipiriri – Chapare, que tem 115.000 hectares. Eles estão em uma condição de extrema vulnerabilidade. A precária atividade econômica dos Yuqui se concentra na caça, na pesca, na coleta e no artesanato.
A população Tapiete do Chaco boliviano é de 205 habitantes. O território Tapiete, atualmente TOC do Povo Tapiete de Samaihuate, está localizado na margem esquerda do rio Pilcomayo, localizado no departamento de Tarija, com 24.840 hectares. É importante salientar que o Povo Tapiete foi o primeiro a consolidar uma TCO indígena no país. Os Tapieté de Samayhuate atualmente falam uma língua muito próxima à língua dos Guarani da Bolívia e têm usos e costumes compartilhados com eles. A Assembleia do Povo Indígena Tapiete (APIT) é a instancia superior que toma decisões e elege autoridades. É instalada para resolver quaisquer situações ou conflitos, para tomar decisões que dizem respeito à população e, a cada dois anos, para a eleição de autoridades superiores, com a presença de toda a comunidade que, através do voto democrático, escolhe os seus representantes.