No Paraguai
OParaguai tem, atualmente, uma população de 62.000 pessoas Guarani. O número de aldeias ou comunidades na região oriental do Paraguai é muito alto: 124 pertencem ao grupo Ava-Guarani; 170 aos Mbyá, e 62 aos Pãi-Tavyterã. Essa fragmentação e atomização provavelmente respondem à destruição de muitos tekohá que hoje são apenas enclaves dentro do que foi o seu território. Os Aché foram reduzidos a 6 comunidades. A maior concentração está entre os Guarani Ocidentais do Chaco, com apenas 6 grandes unidades, na forma de bairros de pequenas cidades, e os Guarani Ñandéva, com 4 comunidades semelhantes.
Para todos os Guarani, a terra não é propriamente uma superfície de terra que pode ser medida, fragmentada e vendida, mas um espaço onde se vive o modo de ser guarani, o tekó. No Paraguai, os Guarani, especialmente após o Tratado de Itaipú e a construção da hidrelétrica binacional, tiveram os seus tekohá profundamente transformados. Todo o território guarani tem sido afetado por mudanças que parecem irreversíveis, devido às tentativas e pressões de forçar os Guarani a abandonar seu sistema de vida cultural, religioso e econômico.
As características destas transformações e substituições têm sido causadas, principalmente, pelos seguintes fatores:
A entrada de um novo contingente populacional brasileiro, os chamados brasiguaios, que ocupam grande parte dos territórios tradicionais guarani, e de outros proprietários de terras que se dedicam ao agronegócio, com o cultivo de soja mecanizada e fazendas de gado, que atingem dezenas de milhares de hectares. De fato, estes cultivos obrigam ao desmatamento completo da área, acompanhado da expulsão de seus habitantes tradicionais. Assim, o tekohá dos Guarani foi destruído definitivamente.
A expulsão e o abandono dos tekohá, pela destruição de suas florestas, pelos agrotóxicos que envenenam as águas e o ar e pelo não reconhecimento de suas terras por parte do Estado são os principais ataques e a maior injustiça que os povos guarani sofrem na região leste do país, atualmente.
A permissão, o incentivo e a proteção dos contratos de arrendamento de terras indígenas por parte do Estado, com a conivência de alguns caciques, marcam a atual política contra os Guarani. Nenhum aspecto legal ou autoridade política pode justificar a entrega dessas terras aos arrendatários, que deixam as comunidades em situação de extrema pobreza e expostas ao despejo. É uma prática inconstitucional que se tornou habitual e, em alguns casos, se apresenta hipocritamente como “ajuda”.
A extensão do contrato de arrendamento das terras apresenta características alarmantes. As comunidades Guarani que alugam suas terras, total ou parcialmente, são 148, das quais, 95 comunidades as alugam para colonos paraguaios, 70 para brasileiros, 11 para menonitas e 10 para alemães.
O povo Avá-Guarani é, talvez, o mais afetado, por uma situação em que se combinam o assédio e a pressão dos colonos do agronegócio, com a inatividade de lideranças comunitárias. Seguem os Mbyá, os Aché e, em menor medida, os Pai-Tavyterã. Dos 34.320 hectares que os Guarani possuem nos departamentos de Canindeyú, Alto Paraná, Caaguazú e Caazapá, 16.479 são alugados.
A legislação a respeito dos territórios indígenas e a demarcação de terras tiveram um grande avanço ao ser promulgada a Lei 904/81, que dá origem ao INDI que, no art. 1, define a sua origem e seu objetivo: menciona explicitamente a defesa do patrimônio e, implicitamente, refere-se aos aspectos tangíveis e intangíveis de seus espaços comunitários. Em seu art. 17 menciona: A concessão de terras fiscais para as comunidades indígenas será realizada de forma gratuita e indivisível. A fração não poderá ser embargada, alienada, arrendada a terceiros, prescrita nem comprometida para garantir qualquer crédito, no todo ou em parte.
A Constituição Nacional do Paraguai, de 1992, foi elaborada em um momento de grande euforia política, quando acabava a ditadura do general Alfredo Stroessner e o país esperava uma autêntica transição democrática. Embora os povos indígenas não tivessem representantes como membros constituintes, houve um sólido grupo de intelectuais, indígenas e juristas que souberam construir um bom texto sobre direitos indígenas, como foi definido no Capítulo V:
Artigo 62 – Dos povos indígenas e grupos étnicos
Esta Constituição reconhece a existência dos povos indígenas, definidos como grupos de cultura anteriores à formação e organização do Estado paraguaio.
Artigo 64 – Da propriedade comunitária. Os povos indígenas têm o direito à propriedade comunitária da terra, em extensão e qualidade suficientes para a conservação e desenvolvimento dos seus modos particulares de vida. O Estado fornecerá gratuitamente estas terras, as quais serão não embargáveis, indivisíveis, intransferíveis, imprescritíveis, não suscetíveis de garantir obrigações contratuais nem para locação; igualmente estarão isentas de imposto. Proíbe-se a remoção ou transferência do seu habitat sem o consentimento expresso dos mesmos.
A clara vontade política atual contra os povos guarani e o desamparo jurídico em que se encontram os seus tekohá, terras e territórios, são o maior risco que ameaça todos os Guarani do Paraguai. O poder executivo, aliado com o legislativo e o judiciário, está disposto a oferecer alguns benefícios para os Guarani – casas, água corrente, escolas -, exceto a defesa e o reconhecimento de suas terras e territórios, muito menos defender seu modo de ser, o seu tekó.
A isso junta-se o tratamento racista e discriminatório contra a população originária, privada de seus direitos humanos fundamentais. Além da expulsão de seus territórios, os Guarani são ameaçados e criminalizados quando exigem seus direitos reconhecidos pela Constituição do Paraguai de 1992 e pelos vários documentos dos organismos internacionais, como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos povos indígenas (10-12-2007), que o Estado paraguaio subscreveu. No Paraguai não é apenas a falta de justiça, mas a declarada e manifesta injustiça contra os indígenas, que também vai contra o país.
A estrutura fundamental da família extensa, vivida de várias maneiras pelos diferentes grupos, ainda é uma das bases mais sólidas para manter o tekó guarani. A aty ou assembleia, como expressão política comunitária, regional e nacional, ainda é um dos suportes mais importantes para a persistência e resistência das comunidades guarani.
A aty é uma forma de política guarani muito forte e ordinária, especialmente entre os Pai-Tavyterã. A assembleia, no entanto, em algumas comunidades ou regiões, perdeu muito de sua força devido aos interesses criados por grupos e até mesmo famílias extensas, que se atribuem privilégios privados, em detrimento da comunidade. Aqui, novamente, o arrendamento de terras tem facilitado a desigualdade na distribuição equitativa dos recursos e bens.
A economia, que repousava em uma forma de trabalho comunitário e distribuição equitativa dos bens, foi profundamente transformada. A produção interna diminuiu. A dependência de salários externos, que beneficiam os professores nas escolas para indígenas, bem como os agentes de saúde, criou um desequilíbrio significativo na vida da comunidade, onde se insinua a distinção entre Guarani ricos e Guarani pobres.
Não desapareceu, no entanto, a festa – arete – e, nas famílias mais tradicionais ainda se mantém o dom – jopói, ‘mãos abertas uns para os outros’ -, que atinge a todos por igual. No regime de transformações que o Estado pretende impor, apesar das distorções que se fazem sentir com muita força, permanece, no entanto, em muitas comunidades, a prática comum da dança ritual e a palavra dos líderes religiosos no jeroky ñembo’e.
Contra o tekó guarani no Paraguai, a generalização de uma espécie de escola “nacional”, não deixa de ser um instrumento chave e nefasto para a desintegração do tekó, que, mesmo com professores indígenas, representa um grave perigo para a educação dos mais jovens, não só pela sua falta de efetividade no ensino do conhecimento necessário e adequado à atual situação colonial mas, por outro lado, porque traz consigo a propaganda implícita de outro modo de ser.
No entanto, através de maior formação de alguns professores, mesmo dentro do sistema escolar nacional, e com a melhor preparação de algumas lideranças, aparece uma consciência mais crítica sobre sua situação atual e a maneira de enfrentá-la. Por enquanto, ainda não tem sido possível um modelo de escola indígena para reforçar, e não substituir, a educação tradicional, cujo sucesso é fazer de um Guarani um bom Guarani.
A religião, com suas crenças e rituais, é mantida e praticada por grandes setores das comunidades guarani. Aqui serão considerados apenas alguns traços específicos de sua vivência e prática no Paraguai. Os rituais comuns e específicos, de grande valor simbólico e educativo são o jeroky e o ñembo’e. Os locais designados para esses rituais são claramente visíveis nas aldeias e comunidades guarani na Argentina e no Brasil, mas, especialmente no Paraguai, ainda se encontra o mba’e marangatu – lugar do sagrado -, nas grandes casas dos Pai-Tavyterã; o yvyra ña’ẽ, o cocho para a chícha dos Ava-Guarani; e a opy – casa ritual dos Mbya – raramente aberta aos não indígenas.
Entre os grandes rituais do avatikyry, a festa do milho novo é um ato significativo da força social, econômica e religiosa de uma comunidade ou de um conjunto delas. Devemos destacar que são os Pai-Tavyterã, no Paraguai, junto com os Simba, na Bolívia, que, entre todos os Guarani, ainda mantêm o ritual do lábio perfurado, como um sinal de identidade tradicional.
Para os Guarani no Paraguai, a defesa do seu modo de ser e a persistência em seu tekó ainda são a melhor garantia do seu futuro.
Os indígenas Guarani Ocidentais no Paraguai, que durante séculos foram chamados Chiriguanos, haviam migrado da região oriental do Paraguai, através do Chaco, inclusive antes da chegada dos espanhóis, e continuaram a migrar nos primeiros tempos da colônia, especialmente entre os anos 1530 a 1550. Estabelecidos no Chaco boliviano, impuseram o seu domínio sobre os povos Chané, que adotaram a língua Guarani.
Seguiram anos de acomodação com os colonos espanhóis e missionários, mas sem deixar de reivindicar seus direitos territoriais e sua liberdade. Guerras e conflitos foram frequentes; perderam muito da sua autonomia e vastos territórios passaram para mãos de grandes pecuaristas latifundiários.
Durante a Guerra do Chaco (1932-1938), algumas parcialidades deste povo apoiaram o exército paraguaio. Com a vitória do Paraguai e a definição da nova fronteira com a Bolívia, algumas centenas desses Guarani ‘bolivianos’ se encontraram em território paraguaio; o governo prometeu títulos de propriedade das terras e uma vaca leiteira.
De acordo com o desejo e pedido dos Guarani, a Congregação dos Oblatos de Maria Imaculada fundou as missões de Guachalla e de Santa Teresita, localizadas na cidade de Mariscal Estigarribia.
No Paraguai, são 4.605 Guarani Ocidentais, todos eles vivendo no departamento de Boquerón no Chaco, além de alguns na região leste. Do ponto de vista sociocultural, eles seguem, em geral, as normas e práticas dos Guarani que estão na Bolívia.
Também no Paraguai, o arete guasu ou carnaval, é uma comemoração de tradição forte e constante. A língua Guarani tende, porém, a adotar as particularidades e usos do Guarani paraguaio. A escolarização nacional alcança entre eles as mais altas taxas, em comparação com outros Guarani. O pertencimento à Igreja Católica é também uma característica distintiva.
Os Guarani-Ñandéva do Chaco são o mesmo povo que os Tapieté da Bolívia e Argentina e reúnem mais de 1.500 pessoas. Habitam, principalmente, em quatro comunidades, que têm suas terras legalmente reconhecidas.